CONTRATEMPO
Uma
coletânea de obras com abordagem sobre viagem no tempo.
INTRODUÇÃO:
As
3 histórias que fazem parte desta coletânea são as seguintes:
1.
À MARGEM DO TEMPO
2.
PRINCÍPIO DE INDETERMINAÇÃO
3.
MEMÓRIAS DE UM PROFETA
As
histórias serão publicadas em capítulos, semanalmente, de modo
que, após a publicação de todas elas, o livro estará completo.
Ao
dar início às publicações, notificarei um grupo de leitores
selecionados, que já fazem parte de turmas de estudiosos da
Numerologia da Alma e do Ocultismo, entre aprendizes, mestres e
amigos.
Como
o blog estará aberto a visitantes, para acesso via internet, os
convites que serão feitos são apenas gentis comunicados, e não
acessos exclusivos, dando-lhes ciência que, esta coletânea foi
criada e que eu gostaria que eles a acompanhassem.
A
primeira publicação ocorrerá na sexta-feira, dia 8 de maio de
2020.
Faço
votos que as obras sejam do agrado de todos que aceitarem o meu
convite, e se dispuserem a acompanhar os mistérios contidos nessas
obras.
PRÓLOGO:
Esta
obra reúne 3 histórias que tratam da polêmica possibilidade de
viagens no tempo. Cada uma delas tem o seu roteiro próprio, não são
iguais nem nas temáticas e nem nos contextos psíquicos e
filosóficos.
Permito-me
esclarecer, porém, que todas elas apresentam uma trama que faz o
leitor ir e vir no espaço e no tempo. Não tive a intenção de
escrever obras ficcionais e nem de explorar o mistério romanceado,
ainda que, nalguns momentos, possa parecer o contrário.
Cada
uma das 3 histórias possui o seu conteúdo espiritual, para o que
utilizei de uma estrutura ocultista, tão apreciada por médiuns,
como Helena Petrovna Blavatsky e Alice Bailey, dados legítimos da
física e da psicologia estudadas por cientistas, como Danah Zohar e
Carl Jung, e o estilo literário de Machado de Assis.
Em
À Margem do Tempo, explorei a probabilidade de se viver em dois
mundos ou, como seria mais adequado definir, em dois Planos. Em
Princípio de Indeterminação, há uma volta no tempo consciente e
programada, ao contrário das viagens fora de controle de À Margem
do Tempo. E, finalmente, em Memórias de um Profeta, explorei a
existência de uma memória espiritual que conduz ao passado e
projeta o futuro, como justificativa para as precognições do
personagem principal Gibran, o profeta que dá nome ao título.
Longe
de mim, procurar impor verdades, que nesses Planos não existem, nem
as absolutas e nem as relativas. Que cada leitor tire suas próprias
conclusões, sem se deixar levar por achismos ou palpites de quem se
pauta em crendices, por fé ou ilusão.
O
impossível de um tempo se transforma na evidência científica do
futuro. O absurdo de hoje será celebrado amanhã. A crença de agora
será desmentida a seguir. E, assim, evolui o Universo, no espaço e
no tempo sem limites, quando o impossível inexiste e o sonho de
outrora é o eterno despertar para um novo tempo.
Cada
história relatada pode ser uma probabilidade impensável, ou, quem
sabe, uma realidade inviável e, até mesmo, um fato improvável, mas
que pode ser a tua futura verdade, caro leitor, ah, isto pode! Por
isto, trate de começar a leitura, para que possas entender, sem
perda de tempo, o que ainda não tiveste a oportunidade de perceber.
À MARGEM DO TEMPO
Capítulo UM
Os primeiros sinais de vida penetraram por
seus ouvidos e se alojaram num recanto qualquer da sua consciência,
que teimava em não despertar.
Os pássaros faziam um enorme alvoroço nos galhos de uma imensa
mangueira que o vento insistia em fazer roçar no vidro da janela. Os
sons lá fora não eram desagradáveis, nem chegavam a incomodar
tanto assim, mas atrapalhavam o sono. Ele resistiu o quanto pôde,
até se dar por vencido e assumir de vez o novo dia.
A manhã era fria. Um vento outonal soprava, balançando as folhas
das árvores sem mexer os galhos.
O sol despontara cedo e conseguia aquecer o ar que penetrava no
quarto de Jorge. Ele bem que tentou retardar o seu reencontro com a
realidade, puxando sobre si as cobertas e o sonho que mal havia
começado. A noite de sombras e sonhos não conseguiu evitar que ele
retornasse ao mundo real.
Jorge sentiu um arrepio percorrer seu corpo, como se, mais do que
o ar frio, uma gélida sensação de desconforto lhe provocasse
calafrios. Sentado à beira da cama, ele ainda esboçou um movimento
de voltar a se meter debaixo das cobertas. Um longo bocejo, seguido
de um reconfortante espreguiçar, afastou, definitivamente, da sua
mente, qualquer tentativa de estender aquela sua eterna preguiça
matinal.
Todas as manhãs, o seu despertar repetia um ritual que tomava uns
bons minutos do seu tempo, antes que viesse a assumir a sua soberania
mental. Nesse meio-tempo, ele ficava entregue aos seus hábitos
rotineiros que o carregavam de um lado para outro, sem que sua
consciência tomasse partido daquelas interferências instintivas que
estavam acima da sua vontade.
Naquela manhã, alguma coisa não estava funcionando. No caminho
do banheiro, Jorge deu de cara com a parede, onde deveria haver uma
porta. O choque inesperado despertou-o de vez. Ele passou a mão na
testa e deu de cara com um galo acima do olho direito. De repente,
outro cantou lá no quintal, coisa que ele não ouvia fazia anos, já
que, pelas redondezas, galinheiro era coisa do passado.
Entre um galo e outro, Jorge ficou sofrendo as dores de uma
certeza e de uma dúvida. A primeira, por conta de uma parede que não
poderia estar ali. A segunda, devido a um total desencontro de
ideias, que chacoalhavam no interior da sua mente.
Ambas o incomodavam, mais a segunda do que a primeira, o que o
levou a correr até a janela. Lá estava o galo, em cima da cerca,
tão majestoso quanto aquele que latejava em sua testa. O da testa,
silencioso e contido, o do quintal, barulhento e vaidoso.
Jorge olhou para o quintal da sua casa. Ele coçou a cabeça,
esfregou os olhos, abriu a boca, numa sequência estranha e
desconexa.
Aquele não era o quintal da sua casa. Olhou para dentro de casa,
e concluiu que aquele também não era o seu quarto. Assim
explicava-se a cabeçada na parede e justificava-se o seu ego que
saíra tão ferido quanto sua testa.
Jorge ainda não havia conseguido atinar com o que estava
acontecendo. Na noite anterior, ele dormira no seu quarto, que dava
para um quintal florido e sem galos no poleiro. Agora, naquela manhã,
lá estava ele num quarto estranho, se bem que acolhedor e bem
asseado.
Da sua janela, ele avistava uma linda chácara, com plantações,
cercas de madeira e uma alameda margeada de frondosas árvores que
terminava num casarão de estilo colonial. Mais distante, viam-se
hortas nos quintais de pequenas casas espalhadas e semiescondidas em
meio a intermináveis áreas verdes.
Onde estavam os prédios vizinhos que o impediam de avistar as
aveludadas florestas da Tijuca? E os ruídos dos automóveis e os
sons dos rádios da vizinhança, o que acontecera com eles?
A poluição sonora, íntima e detestada, dera lugar ao som de
canto de pássaros e a vozes distantes que chegavam ao seu quarto,
trazidos ao sabor do vento.
Jorge achava tudo muito estranho, ainda que gostasse do que via.
Ele não experimentava nenhum sentimento de medo ou insegurança.
O seu pensamento se soltava em busca de explicações. A sua
memória, ainda preguiçosa, fornecia-lhe imagens, que, com certa
lentidão, ele se esforçava em juntar para entender o que teria
acontecido entre a noite anterior e o dia seguinte.
Na véspera, como fazia habitualmente, havia lido o jornal depois
de jantar e ligara a televisão, para assistir a novela. Na sua
idade, este ritual é quase um vício, e não seria ele que fugiria à
regra. Após a novela, ele resolvera deitar-se e ficar assistindo no
quarto o filme da Sessão de Gala.
O galo cantou novamente, interrompendo as suas reflexões e
fazendo-o sorrir, ao relacionar a gala da sessão da véspera com o
galo da sessão da manhã. A reflexão acabou por levá-lo a seguir
os conselhos daquele despertador empoleirado, e despertar de vez.
Jorge saiu do quarto esperando encontrar uma sala, mas deu de cara
com um cubículo apertado, e logo à direita a porta de entrada. Ele
abriu a porta, e espiando pelo corredor pode concluir que estava num
dos muitos quartos de um antigo casarão, transformado em hospedaria,
uma espécie precursora dos “apart-hotéis”.
Ele fechou a porta e caminhou em direção à janela. Ao passar
diante do guarda-roupa, em cuja porta havia um espelho, ele levou um
susto. Naquele momento, Jorge sentiu um arrepio correr por todo o
corpo. Ele não queria acreditar na imagem refletida à sua frente.
O quase sexagenário de ontem era agora aquele jovem e formoso
mancebo. Ele aproximou-se do espelho e ficou a se admirar por longo
tempo. Admirou-se e ficou satisfeito com a quantidade de cabelo em
mechas onduladas que contrastava com a barba rala que lhe cobria o
rosto. O bigode era do justo tamanho que usaria, caso decidisse
deixá-lo crescer.
A imagem projetada no espelho lembrava-lhe um rapazola de antigas
fotografias que ele costumava admirar quando, saudosamente, buscava,
nos álbuns de família, aquele consolo que o passar dos anos exige
dos homens.
De súbito, ele deu um salto e, olhando ao redor, procurou algo
que não estava ao alcance da sua vista. Abrindo a porta do
guarda-roupa, preso à porta, viu o motivo do seu sobressalto.
Balançando à sua frente, ainda sob o efeito do movimento da porta,
estava uma folhinha. Não uma folha seca ou folha de caderno pequeno,
mas um calendário.
O mês era novembro e o ano, 1869.
Jorge passou a mão na testa, suspirou fundo, sentou-se à beira
da cama e, ao fechar a porta do guarda-roupa, voltou a ver-se
projetado no espelho.
Fortes batidas na porta despertaram Jorge daquele estado de torpor
que o dominava, desde que se deu conta que, do dia para noite, se
projetara para 140 anos atrás.
Que era 1869, ele já não tinha dúvida. O mês era novembro, mas
o dia não havia como saber.
As pancadas na porta repetiram-se, agora com mais insistência.
Jorge ouviu alguém chamá-lo.
– Jorge,
está na hora.
A emoção, por ouvir o seu nome sendo chamado por alguém que
deveria conhecê-lo em 1869, deixou-o, completamente, atordoado.
De repente, sem saber explicar como, nem porque, ele levantou-se e
respondeu:
– Aguarda só
um minuto, Davi, eu já estou indo.
Capítulo DOIS
Jorge abriu a gaveta da cômoda, e demonstrando uma inusitada
intimidade com seus pertences escolheu uma camisa e um par de meias.
De dentro do guarda-roupa, retirou o terno e a gravata. Juntas no seu
corpo, as diversas peças causaram um efeito que o deixou satisfeito.
Diante do espelho, retocou o cabelo, estufou o peito e sorridente
encaminhou-se para a porta, onde seu amigo Davi o aguardava com
visível impaciência.
– Homem de
Deus, tu queres chegar atrasado já no primeiro dia de trabalho?
– Nem
atrasado, nem adiantado, nós dois chegaremos na hora aprazada, como
autênticos cavalheiros, respondeu Jorge, fazendo troça do amigo.
Quem visse Jorge percorrendo o corredor e descendo as escadas
daquele casarão, com passo firme e cabeça erguida, não conseguiria
imaginá-lo confuso e assustado, há somente alguns minutos atrás.
Estranha transformação aquela para alguém que despertara no
passado, sem entender o que se passava e que, a um simples chamado de
um amigo, seguiu em frente como se o tempo não existisse, como se,
entre o dia e a noite, houvesse uma cortina de sombras que tudo
justificasse.
Para quem despertara num passado tão distante, Jorge
comportava-se com tamanha segurança e naturalidade que nem ele mesmo
sabia explicar.
A verdade é que, apesar de plena consciência da diferença entre
as duas épocas, ele se sentia à vontade, como se também
pertencesse àquele outro mundo.
À medida que se deslocava ao lado de Davi, em direção à Rua do
Lavradio, a caminho do novo trabalho, Jorge ia tentando juntar as
informações que se movimentavam frouxas em sua mente. A recordação
da outra época, onde ele se encontrava na véspera, ainda que o
excitasse, pelo mistério que representasse, não o assustava nem um
pouco, por já haver admitido o fato, sem questioná-lo.
Davi observou que o amigo estava sério e calado, e julgando que
estivesse preocupado com o emprego, afinal aquele seria o primeiro
dia, decidiu fazer um comentário, a título de estímulo, a fim de
tranquilizá-lo.
– O Senhor
Ernesto é uma ótima pessoa, não precisa ficar preocupado com a tua
inexperiência, pois ele comprometeu-se com o meu pai a
transformar-nos, em pouco tempo, nos melhores comerciantes que esta
cidade há de conhecer.
Jorge sorriu para o amigo, balançou a cabeça e comentou:
– Sempre
sonhando em se tornar um rei, não é Davi? Ou quem sabe és
republicano e pretendes ser o primeiro dentre os que hão de presidir
a república deste nosso país!
Davi empalideceu, e olhando para os lados, protestou da
brincadeira do amigo:
– Esta tua
maneira irreverente de ser ainda acaba colocando-nos em sérios
apertos. Meça bem o que dizes e, principalmente, onde dizes.
Coincidências ou não, este diálogo deu-se no justo momento em
que o carro que os conduzia passava pelo Campo de Santana. A
expressão no rosto de Jorge era de ironia, que logo se desmanchou
com a mesma rapidez com que se formara.
Chegados ao destino, pagaram a corrida, e com o trote dos cavalos
foi-se o restante das recordações da outra época, que insistiram
em acompanhá-lo por todo o percurso.
Jorge sentiu-se mais presente do que até então lhe fora
possível. Alguma coisa que ele não sabia explicar ajudava-o a se
distanciar do seu mundo futuro, e a fixá-lo no passado.
Em meio a reflexões e devaneios, ouviu o seu nome e se deu de
frente com um senhor elegantemente trajado, com gestos corteses e
fala macia, que lhe estendia a mão amistosamente, a fim de
cumprimentá-lo.
Ernesto Frade era um bem realizado homem de negócios, que se
dedicava ao comércio de móveis de qualidade, que ele mesmo ia
buscar na Europa, para onde viajava a cada ano. A sua loja era
frequentada pela nata da nobreza da época, que para lá se dirigia
sempre que o assunto em discussão fosse uma nova decoração de uma
sala de jantar, de um quarto de casal ou de todos os ambientes de um
daqueles casarões de muitos cômodos, onde os móveis mais preenchem
espaços do que guardam roupas ou objetos.
Dono de uma cultura apurada e um esmerado gosto artístico, o
Senhor Ernesto utilizava todos os seus conhecimentos da moda europeia
e da vaidade dos brasileiros para realizar grandes negócios,
trazendo, da Inglaterra e da França peças dignas de nossos mais
famosos museus contemporâneos.
Graças à sua tamanha habilidade para negociar com as artes e a
um talento natural para o comércio, a Casa de Móveis e Artes Frade,
em muito pouco tempo se tornou a mais próspera do ramo, e, o seu
proprietário, um dos mais ricos negociantes da corte.
Acompanhemos Jorge e Davi em sua caminhada pelo interior daquele
templo de bom gosto, e aproveitemos para saber que o Senhor Ernesto
era amicíssimo do pai de Davi, que sonhava para o filho um lugar de
destaque no mundo dos negócios.
O convite para o emprego do filho foi uma natural consequência
dos sutis comentários que chegavam aos ouvidos do comerciante de
móveis, entre uma crítica ao Ministério e um elogio a uma peça
teatral de sucesso, toda vez que se encontravam para uma prosa de fim
de tarde.
Daí para a oportunidade, que foi gentilmente estendida a Jorge,
foi um passo previsível para quem conhecesse a sólida amizade que
os unia.
Jorge mantinha os ouvidos atentos às explicações sobre os
estilos dos diversos mobiliários expostos em quatro salas decoradas
que lembravam cômodos de palacetes europeus. Ele não desgrudava os
olhos dos móveis e nem perdia uma só palavra que saía dos lábios
do Senhor Ernesto. Davi preferia admirar, com um ar distraído, um
quadro na parede que retratava uma bela mulher, não demonstrando
maior interesse nas explicações minuciosas a respeito dos móveis
expostos.
O retrato era da esposa de Ernesto Frade, bem mais jovem do que o
marido, a quem ele dedicava uma venerável adoração.
Corriam na época muitos rumores maldosos sobre o comportamento de
Dona Tereza, mas a posição social e o respeito que todos devotavam
ao seu marido desestimulavam qualquer alusão que fosse além do seu
jeito provocante de se vestir e da admiração que causava aos homens
que dela se aproximavam.
Deixemos de lado as intrigas da sociedade que, em todas as épocas,
ocupam o tempo dos que não têm mais a fazer do que se ocupar da
vida alheia, e continuemos a observar nossos dois jovens, em seu
primeiro dia de trabalho.
Aquele foi um dia todo ele dedicado ao aprendizado da nova arte.
Jorge ouvia em êxtase a história dos diversos estilos de móveis e
de suas influências nas diversas cortes europeias. O mestre Frade
relatou a influência do mobiliário sobre o comportamento humano, as
formas ideais de uma cômoda para o gabinete de um ministro e o
estilo livre para os ambientes pesados. A cama pesada para um casal
pesado. Os estilos com nomes de gente, criadores ou usuários. Tudo
aquilo era uma ciência nova para Jorge, que absorvia cada palavra
como se quisesse assimilar num só dia todo o conhecimento adquirido
pelo Senhor Ernesto ao longo de mais de 30 anos.
Aquele dia para Davi foi apenas um dia de treinamento, recheado de
ensinamentos indispensáveis ao cumprimento das tarefas diárias.
Nada além, nem nada aquém, e ponto final.
À noite, ao retornar ao seu quarto, Jorge ainda trazia na mente
aquelas imagens geradas no futuro ambiente de trabalho, enquanto
ouvia histórias de viagens, ambientes luxuosos e decorações.
Aqueles foram momentos sublimes, em que beleza e sensibilidade
encobrem todas as misérias do mundo.
Heis que, de repente, a porta bateu atrás de si e ele se
encontrou com a sua realidade, o ambiente do quarto trouxe-o de volta
ao seu mundo. Mas, qual seria o seu mundo real?
Naquele momento, Jorge voltou o seu pensamento para os fatos
ocorridos pela manhã, e se sentiu forçado a corrigir seus
sentimentos. Ele passou para o plural o que chamou antes de sua
realidade. Afinal de contas, ele estava vivendo duas realidades, e
não uma só.
Dentro do quarto, entre quatro paredes, uma realidade crescia e
quase engolia a outra. O que ele estava fazendo em 1869, quando
lembrava perfeitamente que na véspera fora dormir em 2009? Ninguém
recua impunemente no tempo, e por 140 anos!
Ele conhecera o rádio, a televisão, o automóvel, o avião, a
poluição, a corrupção e tantas outras invenções do mundo
moderno. Nesse ponto, ele interrompeu as suas reflexões e pôs-se a
comparar uma época com a outra. Talvez os avanços tecnológicos
fossem os verdadeiros diferenciais entre as civilizações. A
eletrônica, a mecânica, a informática, a ciência quântica e
outras inovações tecnológicas determinariam os legítimos
distanciamentos entre as diversas fases da história.
Toda essa reflexão teve uma única origem – a corrupção.
Jorge, no meio de suas reflexões, parara para repensar sobre os
progressos e se deparou com o movimento pendular da corrupção,
influindo na conduta moral do homem em todas as épocas. Sociedades
evoluídas, sociedades decadentes, em todas elas a presença da
corrupção. Ora mais, ora menos, e nem importa quanto mais ou quanto
menos, lá estava ela, mexendo com a ética e a moral dos povos.
No meio desses pensamentos, Jorge recostou-se. Estava cansado,
fora um dia cheio e logo pegou no sono. Entre um dia e outro
percorrera um longo caminho de 140 anos, e agora precisava descansar.
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